Em audiência pública, população questiona Copasa e pede mudanças no saneamento

Laranjeiras é o distrito de Caldas mais afetado pela falta d’água. Evento realizado ontem (17) contou com a participação de municípios que realizam com sucesso a gestão municipal do saneamento

por Alan Tygel, com fotos de Uschi Silva

“Laranjeiras pede socorro.” Essa frase resumiu o sentimento das dezenas de moradoras e moradores do distrito de Laranjeiras de Caldas que estiveram presentes ontem na audiência pública sobre os serviços de saneamento na cidade de Caldas. Falta d’água, ruas esburacadas após serviços da Copasa, água barrenta e péssimo atendimento foram apenas algumas das denúncias realizadas.

Convocada pela Câmara Municipal de Caldas a partir de requerimento de autoria dos vereadores Ana Lúcia e João do Cavaquinho, a audiência contou com representantes da Copasa, da prefeitura de Caldas e de 4 municípios vizinhos com distintas experiências na gestão do saneamento: Poços de Caldas e Machado, que há décadas fazem a gestão municipal do serviço; Alfenas, onde está curso um estudo para rompimento com a Copasa; e Andradas, onde o contrato com a Copasa foi rompido e está aberta uma licitação para possível privatização do serviço.

A audiência contou ainda com a participação de João Batista Peixoto, especialista em gestão pública de saneamento e consultor com mais de 30 anos de experiência no assunto. A coordenação da atividade ficou a cargo de Daniel Tygel, presidente da Aliança em Prol da APA da Pedra Branca.

Com a palavra, a Copasa

Marco Aurélio Ribeiro, gerente de negócios sul da Copasa, iniciou a audiência abordando um assunto bastante sensível na cidade: a falta de tratamento de esgoto. Segundo ele, a estação de tratamento de esgoto (ETE) de Pocinhos do Rio Verde está em vias de ser finalizada. Além desta, outra ETE próxima à Santa Cruz e a perfuração de dois poços artesianos em Laranjeiras estão em andamento, mas problemas com a cessão do terreno têm dificultado os processos.

Ao falar sobre Laranjeiras de Caldas, Marco Aurélio afirmou que não há mais falta de água no local. A fala provocou indignação nos moradores do distrito, que o interromperam para desmentir a afirmação.

Marco Aurélio lembrou ainda que todo os municípios têm direito a um recurso do Fundo Municipal de Saneamento Básico, que em Caldas representaria uma verba de R$100.000. Para estar habilitado, é necessário ter um Plano Municipal de Saneamento Básico, e um conselho específico para o assunto constituído.

Experiências dos municípios vizinhos

Diante da grande insatisfação popular com a Copasa, foram convidados para a audiência 4 municípios com experiências distintas na gestão do saneamento.

O prefeito de Andradas, Rodrigo Aparecido Lopes, relatou sobre o colapso no fornecimento de água na cidade ocorrido há 20 anos. Desde então, a falta de investimentos fez com que o problema não fosse resolvido. Em 2017, após a cidade inteira ficar uma semana sem água, o contrato com a Copasa foi declarado nulo e iniciou-se a construção de uma licitação para o serviço. O edital, lançado ontem, prevê que a empresa vencedora terá que investir 125 milhões na cidade, além de ter que cumprir metas para o fornecimento de água e esgoto. A tarifa social será obrigatória.

Segundo o prefeito Rodrigo, pode até ser que a Copasa vença a licitação, mas não vai mais ser “um contratinho de seis páginas” como era antes. Para ele, em nossa região não falta água; faltam investimentos.

Em seguida falou Renato Garcia de Oliveira Dias, diretor da empresa municipal de Machado (SAAE Machado). Ele contou que a SAAE existe há 53 anos, em uma cidade com características semelhantes a Caldas. Os número impressionam: a cidade oferece 100% de água tratada, inclusive nos três distritos rurais que chegam a 30km de distância da sede. Nessas localidades, o esgoto também é 100% tratado. Na sede, faltam apenas 10% de tratamento de esgoto. Tudo isso com uma tarifa que é quase metade da tarifa cobrada pela Copasa.

Ele se posicionou contra a privatização dos serviços: “Defendo a municipalização do serviço como bandeira. Os setor privado vai buscar rentabilidade. E o distrito que não tem lucro? Vai deixar para trás?”, afirmou.

Poços de Caldas, vizinha de sucesso

Com 54 anos de existência, o DEMAE (Departamento Municipal de Água e Esgoto) de Poços de Caldas é outro exemplo de sucesso de gestão pública municipal. Paulo César Silva, diretor-geral, contou que a autarquia possui 500 trabalhadores e prevê para o ano que vem um orçamento de R$ 72 milhões, com investimento de R$ 8 milhões com recursos próprios. O DMAE não tem déficit, e ainda ajuda o município na obras de trânsito, eletricidade e outras.

A cidade já atingiu 100% de água tratada para a população, e em março irá inaugurar uma nova ETE para atingir os 100% de esgoto tratado. Tudo isso também com uma tarifa que corresponde à metade da Copasa.

Rodopiano Marques Evangelista, vice-presidente nacional da ASSEMAE (Associação das Empresas Municipais de Água e Esgoto), defendeu a municipalização dos serviços. Segundo ele, o mundo hoje não está mais privatizando; pelo contrário, cidades como Londres e Paris estão reestatizando os serviços. É possível fazer parcerias público-público, ou parcerias público-privadas, mas privatizar o serviço já se mostrou uma escolha errada.

Rodopiano colocou a ASSEMAE à disposição para elaboração do Plano Municipal de Caldas, bem como para a formação de servidores no tema do saneamento.

Alfenas: a importância da participação popular

Cristiane Marina dos Santos Novais, diretora municipal de Educação Ambiental de Alfenas, contou que a principal reclamação de sua cidade com relação à Copasa é pelo mau cheiro da ETE.

A população então se organizou e ficou monitorando a estação por 24h, e descobriu que, em parte do dia, o esgoto é jogado sem tratamento no lago de Furnas. Isso estava provocando o mau cheiro e a mortandade de peixes.

Um estudo, ainda em andamento, revelou que em Alfenas a Copasa tem receita de R$ 40 milhões por ano, mas gasta apenas R$ 8 milhões. Cristiane pergunta: para onde está indo este dinheiro?

O especialista João Batista Peixoto ressaltou os dois bons exemplos apresentados pelas cidades de Machado e Poços de Caldas. Segundo ele, o modelo da Copasa está no Brasil inteiro, com os mesmos problemas. Então fica a pergunta: como é possível universalizar o serviço com metade da tarifa, como fizeram Machado e Poços?

Segundo Peixoto, “saneamento não é negócio, é saúde. É um serviço essencial e necessário, e assim que deve ser tratado. E é assim no mundo inteiro.” Ele apresentou um estudo do grupo ONDAS, que mostra que hoje 90% dos serviços de água e esgoto no mundo são públicos: “Muitas cidades nos últimos anos estão remunicipalizando. No Brasil estamos voltando na onda contrária. Privatização não é solução. Pode ser no máximo um meio de transição.”

Peixoto conta que Manaus privatizou o serviço em 2002 com uma empresa francesa, e hoje coleta apenas 10% do esgoto. Recentemente, a concessão foi repassada por R$1. Isso ao lado do maior rio em volume de águas do mundo, o Rio Amazonas.

Peixoto afirmou que Caldas deve rever o contrato com a Copasa, que segundo ele é “leonino” e provavelmente fora da lei. O Plano de Saneamento de Caldas é um arremedo de plano e também precisa ser refeito.

E finaliza: “Estamos acostumados a esperar a solução de cima. Privatização é solução para o caixa, mas não pro saneamento. A solução não é fácil, e a população precisa apoiar.”

A população se manifesta

A parte mais esperada da audiência foram as falas da população. O caso de Laranjeiras teve destaque, dada a gravidade da situação e a mobilização dos moradores.

Foram exibidos vídeos mostrando a situação de uma das ruas principais do distrito, onde após uma obra da Copasa o asfalto cedeu. Foram relatados ainda os casos da água barrenta, e as quebras frequentes na bomba e os longos períodos que a comunidade têm passado sem fornecimento de água.

Uma moradora relatou que ficou 18 dias sem água. “Somos lavradores, passamos o dia arrancando batata da terra, e quando chegamos sujos em casa não temos água para tomar banho. Temos vergonha de receber visitas e não ter água para dar descarga.”

Foi mencionada também a expectativa de crescimento do distrito, visto que muitas pessoas que trabalham em Poços de Caldas procuram o local para morar.

A cobrança pelo esgoto sem tratamento também foi alvo de críticas. Além disso, foi cobrado o cercamento do manancial que abastece a cidade.

Outros assuntos mencionados pela população foram a ausência das análises de resíduos de agrotóxicos e as análises de radioatividade na água. Ambas são obrigatórias, de acordo com a portaria de potabilidade da água, mas não têm sido enviadas ao Ministério da Saúde.

Encaminhamentos

A audiência foi encerrada às 23:00h, ainda com grande público presente. O coordenador Daniel Tygel resumiu os principais encaminhamentos da sessão:

  1. Resolver urgentemente a situação de Laranjeira. A Copasa, na figura do gerente Paulo Fernando Rodrigues Lopes, se comprometeu a dar uma previsão na próxima semana;
  2. Disponibilizar a ata da sessão para que a população de Laranjeiras tenha acesso;
  3. Criar uma comissão para estudo de alternativas à Copasa no município de Caldas;
  4. Criar o Plano Municipal de Saneamento Básico (PMSB) e o Conselho Municipal de Saneamento Básico até fevereiro de 2020;
  5. Copasa precisa dar resposta o mais rápido possível sobre o caso de Laranjeiras;
  6. Realizar parceria entre Caldas e Poços de Caldas para análises de água, de acordo com proposta feita pelo DMAE;
  7. Realizar um plano de monitoramento de agrotóxicos e radioatividade na água;
  8. Realizar audiências locais nos distritos de Caldas.

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